terça-feira, 22 de março de 2011

“O Nome das Coisas”

Lane Valiengo

         Senhora dos nomes e dos momentos. Assim podemos definir de forma abreviada a poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen. O seu próprio nome é uma elegia aos nomes elegantes, robustos, concretos, significativos e substantivos.

         Sophia morreu em 2004, aos 84 anos. Era considerada a grande poetisa lusitana contemporânea. Publicou mais de duas dezenas de livros de poesia e ganhou em 1999 a mais cobiçada das honrarias da língua portuguesa, o Prêmio Camões. Em 2003, venceu também o Prêmio Rainha Sophia de Poesia Ibero-Americana.

         Um de seus livros mais festejados recebeu exatamente o título de “O Nome das Coisas”, publicado em 1977.

          Com vigor e com ideologia, buscou em sua obra todos os sentidos, todos os significados, todas as utopias. Pesquisou linguagens, desvendou mistérios da língua, atravessou oceanos verbais. Deu nome às cosias, literalmente. Buscou o renascimento do espanto e das surpresas, evocou naturezas esquecidas, olhou o mundo com olhos críticos, porém apaixonados.

            Quando nova, pensava que os poemas existiam de forma independente no ar. “Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio. Pensava também que, se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos do jardim, eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si”.

            A nomeação foi a base da sua linguagem: uma forma de restituir às coisas a sua realidade, o seu ser, como escreveu a ensaísta Clara Rocha.
        
           As questões sociais do seu tempo (que é o nosso) foi uma preocupação constante, desaguando numa revolta muito grande contra a tirania, a injustiça e a corrupção. Celebrou a Revolução dos Cravos intensamente, sem deixar de fazer cobranças. Foi militante e ativista dos direitos das palavras e da política dos homens.

                                               *

                            Com fúria e raiva

         Com fúria e raiva acuso o demagogo
         E seu capitalismo das palavras

         Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
         Que de longe muito longe um povo a trouxe
         E nela pôs a sua alma confiada

         De longe muito longe desde o início
         O homem soube de si pela palavra
         E nomeou a pedra a flor a água
         E tudo emergiu porque ele disse

         Com fúria e raiva acuso o demagogo
         Que se promove à sombra da palavra
         E da palavra faz poder e jogo
         E transforma as palavras em moeda
         Como se fez com o trigo e com a terra”.

                   (Junho de 1974)
                                      
                                      *

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