sexta-feira, 11 de março de 2011

RAIMUNDA x MARLI

Paulo Matos

           Sua mãe na hora do parto, face às dores que sofria, fez promessa a São Raimundo de que colocaria na filha ou filho o nome do santo. Fez então uma promessa para a criança, promessa para a filha recém nascida pagar a vida inteira. O pai não aceitou o fato e colocou um segundo nome após o pré-nome Raimunda, Marli.

            Sua vida na escola desde o início de sua adolescência foi um tormento. Na hora da chamada era um terror. Pedia para os professores, para chamarem-na pelo segundo nome. Isto a afastou da escola porque nem respondia às chamadas. Chegou a ter várias faltas, embora estivesse presente. Sentava-se nos fundos da classe para se esconder. Os professores observaram que não respondia a chamada embora estivesse ali na classe e lhe davam presença.

            Os colegas faziam chacota, o que ocasionou várias brigas durante o período escolar. Abandonou a escola por causa do nome. Só pela pressão do pai é que voltou a cursar o colegial, tempos depois.

            Posteriormente, tinha vontade de fazer cursinhos, faculdades, escolas profissionalizantes, mas escondeu-se. Evitava ainda entrar em qualquer local onde dissessem seu nome. Não ia ao médico, pois tinha medo de ouvir pronunciarem seu nome.

            Só voltou a estudar, na Faculdade de Direito, após a finalização do processo de alteração de seu nome. Entretanto, tem muita dificuldade face demandar grande esforço em recuperar o tempo perdido, pois ficou muitos anos sem estudar.

            Clubes, festas, vida social,  nunca teve. Bailes, nunca freqüentou.

            Evitava se relacionar com as pessoas por medo de pronunciarem o seu nome. Isso a impossibilitou de obter melhores empregos, freqüentar escolas, aprendizados. Após se separar judicialmente não mais namorou. Não se relacionou mais com ninguém, só tendo se casado com o 1º marido, pois este já sabia seu nome.

            A mudança no nome foi muito significativa em sua vida.

            Os parentes entenderam a mudança, pois antes havia quase que um pacto em não pronunciarem o nome malquerido.

            Pessoalmente não escrevia seu nome por extenso, só rubricando ou quando obrigada, precisando de justificativas.

           Às vezes, chorava muito quando ouvia a pronúncia do nome. A própria família omitia seu nome, pois ficou muito claro que a importunava. Mesmo os irmãos mais novos, faziam chacotas. Falavam “Raí” como se fosse um palavrão ou xingação.

            Não tinha coragem sequer de procurar um advogado. Só me procurou porque eu já sabia de seu nome, informado por um irmão.

            Não quer falar do assunto hoje. Certa vez, o filho ao telefone queria saber o que estava fazendo quando procurou o advogado, ela então desconversou, e mesmo de seu filho escondeu o motivo de propor ação de alteração de seu nome.

            Indagada se concederia entrevistas à televisão, ou jornais passando sua experiência pessoal e o alívio que recebeu após a mudança informou:

- Nem morta!

           No trabalho era obrigada a usar o crachá, mas com o seu nome sem Raimunda. Só o segundo nome.

            Tais fatos atrapalharam profundamente sua educação e sua vida profissional. Está recuperando-se.

            Brigava muito com a mãe, por ter-lhe dado tal nome. Mas não chegou a odiá-la, porque mães são feitas para se amar. E ela amou muito sua mãe. Só errou foi ter escolhido o Santo errado. Deveria escolher um santo com um nome mais simpático. Até concordava com a promessa dela, mas não com a grande sobrecarga do nome Raimunda.
Segue abaixo transcrição de alguns trechos da entrevista realizada com Raimunda Marli em 03.07.2008:

            Como seria Marli, se não tivesse existido aquela outra pessoa (Raimunda)?
Resposta: Teria estudado desde cedo, estaria mais preparada profissionalmente, teria ampliado seu relacionamento pessoal, seria mais confiante, mais dinâmica, mais lutadora, empreendedora, enfim, seria mais feliz. Seria outra pessoa, com certeza.

            E hoje, como é sua vida?
Resposta: Só agora, estou tentando recuperar o tempo que se foi.


            Você vendeu o apartamento onde morava, porque a documentação estava em seu nome (Raimunda). Você quis apagar seu nome e seu passado o máximo que pôde?
Resposta: Não há hoje um único documento em nome de (Raimunda), e se houver correspondências em nome dela (Raimunda), eu rasgo!

          É verdade que você vendendo o apartamento, por causa do nome, foi morar num outro igual, no mesmo bloco?
Resposta: Sim, é verdade. Como poderia morar num imóvel onde a documentação, IPTU, os avisos de condomínios me relacionassem com uma pessoa que retirei de minha vida e que só me deu e dá dissabores?

           Noto que hoje você está cheia de planos.
Resposta: Hoje sou outra pessoa. Embora eu tenha me recuperado bastante ainda estou correndo atrás do prejuízo.

         O que acontece quando perguntam a você sobre “Raimunda”?
 Resposta:  Quando procuram por (Raimunda), eu digo que essa pessoa morreu, não existe mais. Sepultei o passado, não sou obrigada a falar de uma existência triste e infeliz. Agora quero viver!

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