sexta-feira, 6 de maio de 2011

OS NOMES DO DEMÔNIO NA OBRA DE GUIMARÃES ROSA

Lane Valiengo

                   Vamos falar  sério: Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, é provavelmente o livro mais importante da literatura brasileira. Ao lado da sua linguagem revolucionária, da sua criatividade superlativa e da imensa erudição que emana, oferece diversas camadas de conhecimento. São símbolos ocultos sobre as palavras, são conexões filosóficas que surgem, são  significados esotéricos que se revelam de surpresa.

                   As várias formas de dizer uma mesma coisa revelam o profundo conhecimento linguístico e uma extrema habilidade em combinar elementos diversos, criando estruturas surpreendentes, cheias de novos significados. 

                   Além de seu objeto principal, que é o aparentemente impossível amor entre dois jagunços, Grande Sertão apresenta como um de seus subtextos o provável pacto -ou não- de Riobaldo, personagem principal, com o Diabo. E é exatamente aqui que surge, no livro, um dos aspectos mais saborosos. Edições mais antigas da obra encontradas em sebos trazem, muitas vezes, anotações à lápis nas margens, relacionando as palavras que Guimarães Rosa usa para se referir ao Diabo. Ou melhor, os nomes pelos quais o escritor chama o Coisa Ruim.

                   Os exemplos são muitos, profusos, e atravessam as muitas páginas da obra: o Arrenegado, o Cão, o Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, o Homem, o Tisnado, o Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa Ruim, o Diá, o Dito Cujo, o Mafarro, o Pé-Preto, o Canho, o Duba-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-Sei-Que-Diga,  O -Que-Nunca-Se-Ri, o Sem-Gracejos, o Muito-Sério, o Sempre-Sério, o  Austero, o Severo-Mor, o Romãozinho, o Rapaz,  Dião, Dianho, Diogo, o Pai-da-Mentira, o Pai-do-Mal, o Maligno, o Tendeiro, o Mafarro, o Manfarri, o Capeta, o Capiroto, o Das Trevas, o Pé-de-Pato, o Bode-Preto, o Morcego, o Xu, o Dê, o Dado, o Danado, o Danador, o Dia, o Diacho, o Rei-Diabo, Demonião, Barzabu, Lúcifer, Satanás, Satanazin, Satanão, o Dos-Fins, o Solto-Eu, o Outro, o Ele, o  O, o Oculto... e muito mais!

         A maioria dos termos não é propriamente um nome. Mas Guimarães Rosa foi um mestre em criar nomes para personagens dos mais diversos. Literalmente, dava nome aos bois e às galinhas também... Através do exagero, destacava as características e personalidades de cada um. Afinal, para ele, o mundo existia como  linguagem, assim como o mundo era a própria linguagem. As palavras tinham vida, de verdade.

         “O Senhor vê? O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa existir para haver- a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo”.

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