segunda-feira, 27 de junho de 2011

Um homem sem freios procura o próprio nome

Lane Valiengo

              Que ninguém duvide: ele tem nome e sobrenome. Tem uma vida. Não se impressione com a sua aparência, com as roupas gastas nem com o lugar que ele escolheu para viver e para dormir à noite. Uma marquise pode virar a desejada mansão, o papelão aonde deita pode ser mais macio que um colchão de luxo.
                  
                  Pessoa desprovida de hábitos habitacionais, ou seja, morador de rua, está longe de casa há dez anos, pelo menos. Tempos difíceis, seis anos passados atrás das grades e, de repente, estava solto nas ruas de Santos.

                  O problema é que ele não pode provar que seu nome é Nelson Batista da Silva: ele não tem documento algum. Entre as muitas coisas que aprendeu na escola da vida,  ele sabe bem que, sim, é preciso ter um nome oficialmente registrado e esse nome precisa estar sempre limpo.

                  Outra lição importante: a cidade que tem praias tem tudo! Isso quer dizer que Santos oferece mil coisas para quem não tem nada: comida, roupa, companhia, banho, cabelo cortado, mais comida, agasalho, cobertor, mais comida ainda, solidariedade, cama para se dormir, religião, a palavra de Deus, as tentações do Diabo, amigos e inimigos, um montão de comida, jornal de graça, mulher, muito mais comida ainda...               

                  Ôixe, até trabalho, né não?

                  É por isso, ele diz, que é quase impossível Santos se livrar dos seus moradores de rua, mesmo oferecendo diversos serviços na área da assistência social. Caridade e respeito tem de sobra, apear de muitos direitistas ferrenhos e reacionários crônicos reclamarem dessa gente esquisita que dorme nas ruas...

                  Mas... quer saber mesmo qual é o nome da encrenca: é crack, é pedra! O indivíduo chamado Nelson que não pode provar que se chama Nelson, explica que não falta habitante de rua que recolhe tudo o que ganha da caridade e sobe o morro rapidinho para trocar por pedra...

                  Depois de ser conhecido como “o homem sem freios” - pois usava uma bicicleta que não tinha breque e só parava à base da sola do sapato, o que era extremamente complicado nas ciclovias da vida -, desenvolveu um autêntico “Manual da Sobrevivência nas ruas de Santos”:
ele sabe tudo o que é preciso para sobreviver. Recolhe latas de alumínio, às vezes (quando precisa de uns trocados) toma conta de carros (mas não é flanelinha...), conhece os locais em que se pode tomar um bom banho ou arranjar uma roupa da hora e até mesmo aonde e como conseguir uma bela feijoada.

                  E assim vai vivendo, esperando o dia em que irá, com certeza, conseguir a segunda via da sua certidão de nascimento. Com o papel na mão, irá em busca da carteira de identidade, da carteira de trabalho, do CIC e tudo mais. Porque sabe que sem provar qual o seu nome, não sairá do lugar. Afinal, está com 43 anos e o futuro não espera, mesmo para quem vive nas ruas.

                  E quando puder provar que seu nome é Nelson Batista da Silva, poderá arranjar com a Assistência Social uma passagem para Ribeirão Preto. É que ouviu dizer que lá tem emprego sobrando, que é fácil arranjar um bom dinheiro. Ele diz que Santos é uma beleza e é tudo fácil mas está preocupado com as descobertas de petróleo e gás: “Tem muita gente que virá pra cá por causa do dinheiro fácil, da riqueza. E aí as coisas nunca mais serão como hoje....”.

                  Como nunca antes na história da sua vida, ele agora precisa do seu nome. Que não é nenhum nome feio ou absurdo, mas é seu e é muito precioso.

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